Ainda os jornalistas não tinham acabado de colocar a primeira questão e já Soares tomara conta do debate. Qual bulldozer, foi arrasando mito atrás de mito.
Mito n.º 1 – O Cavaco Sebastião
Soares explicou uma vez mais que o PR não tem uma função legislativa ou executiva e que uma eventual postura interventiva de Cavaco ia acrescentar uma crise institucional ao problema económico que o país já vive. Esperar que Cavaco resolva os problemas do país seria contraproducente porque criaria mais falsas expectativas numa população farta de promessas. Pumba.
Mito n.º 2 – O Cavaco Técnico (1985-1995)
Soares seguiu o caminho que Louçã tinha aberto com o objectivo de rebentar com o mito do grande técnico. Relembrou que Cavaco herdou umas finanças públicas relativamente equilibradas (esforço do próprio Soares e de Ernâni Lopes) e apanhou com uma enchente de dinheiro da CEE. E se é certo que a economia cresceu bastante em virtude destes factores não é menos verdade que Cavaco não aproveitou o momento para proceder às reformas estruturais de que tanto carecemos (e que naquele momento Felipe González punha em prática em Espanha abrindo espaço para o fenómeno de crescimento actual). Cavaco saiu e deixou um défice elevadíssimo para quem viesse a seguir. Aliás, e isto é uma nota pessoal, podem dirigir-se iguais críticas a Guterres. Estudei isto na faculdade já lá vão 7 ou 8 anos...
Mito n.º 3 – O Cavaco dos consensos
Há gente com lata que se farta e Cavaco é um deles quando vem com a conversa dos consensos. Cavaco não gosta de discutir, nunca se engana e raramente tem dúvidas. Soares lembrou que Cavaco sabe que não é consensual e por isso não se apresentou às eleições de 1995 deixando Fernando Nogueira a comandar o barco. Também não deixou passar o facto de Cavaco ter perdido as eleições de 1996 apesar de uma estratégia agressiva contra Sampaio. Cavaco divide os portugueses como poucos.
Mito n.º 4 – Cavaco, um homem do nosso tempo
A opinião corrente é que Soares está fora do nosso tempo. A breve discussão sobre a globalização demonstrou que sucede exactamente o contrário. À globalização económica de Cavaco, Soares contrapõe uma globalização mais abrangente que para além da componente económica, também é social e cultural. Soares esteve em Porto Alegre e em Davos. E Cavaco?
Mito n.º 5 - O Cavaco Estadista
Soares fez um esforço por demonstrar que um PR precisa de ser mais que um economista. Tem de ter uma dimensão cultural e de intervenção pública que Cavaco não tem. Que foi feito dele nos últimos 10 anos? Por onde andou? Interveio em quê? Opinou sobre o quê?
En passant Soares arruinou ainda com os mitos do “Cavaco Economista” e do “Cavaco Estadista” alinhando a aura de competência de Cavaco ao que de facto ela é: não é má mas também não é nenhum Prémio Nobel. Foi sempre a abrir. Aliás, rimo-nos mais lá em casa que em muitos programas ditos cómicos. Ah!, e não esqueçamos o mito do “Cavaco social-democrata”. O risinho mortífero de Soares praticamente dispensava a explicação de que Cavaco estava à direita quer em Portugal quer na Europa onde, como é sabido, alinha com o PPE.
O resultado final do debate deve-se unicamente ao desempenho de Soares e se não obteve uma vitória inquestionável deve-se ao facto de ter sido excessivamente grosseirão. Sobretudo na segunda parte em que ultrapassou os limites do aceitável e desferiu vários ataques pessoais inaceitáveis (embora cómicos). Soares sorria revelando os caninos, ameaçadores. Na costura dos lábios sangue. Cavaco estava tão atarantado que não conseguia reagir nem quando Soares lhe deixava a baliza aberta. O desempenho de Cavaco foi completamente indiferente porque pura e simplesmente não desempenhou nada. Sumido, assistia. E como não conseguia argumentar recomendava a leitura de uns livros manhosos que não devem estar à venda em lado nenhum. Ora, como já devia saber depois de tantos anos no ensino, ninguém lê a bibliografia acessória...
Discussão de ideias não houve. Por um lado porque Cavaco não parece ter muitas e vai repetindo consciente a sua cassete inconsistente. Por outro, porque Soares está mais interessado nesta fase do campeonato em demolir os mitos cavaquistas.
O resultado final não foi famoso e parte das culpas deve-se aos jornalistas que estiveram completamente ausentes. Vá lá Soares, da próxima porta-te melhor.
E sabem que mais? Acho que o Cavaco está velho!