O Caso do Prof. Endemonizado
À imagem do que acontecia quando o professor dava notas na rádio, toda a gente que é gente ouvia o mestre opinar sobre tudo e mais alguma coisa, com o à vontade e a leveza que lhe são tão característicos.
Durante umas dezenas de minutos o homem lá discorria sobre o Governo, a oposição, a economia mundial, o desporto, a cultura, a ciência, etc.
Aquilo parecia mesmo o Expresso e todos os seus cadernos, mas numa variante em que fosse qual fosse o tema não havia notícias mas apenas editoriais.
Era uma espécie de artista de casamentos e baptizados, que com a sua flauta punha todo o país a dançar. E era uma opção editorial óbvia, num projecto tablóide como é o Jornal Nacional.
Mas isto foi antes de ir de fim-de-semana...
Quando voltei, assisti a um Ministro de Bolso, com um ar assustado e ligeiras semelhanças faciais com o Pateta afirmar alto e bom som que o ex-presidente do seu partido e mestre-escola da nação proferia afirmações de ódio, mentiras e falsidades todas as semanas, relativamente à sua turma de bons-samaritanos.
Diz-se que disse também que o Prof. tem um complot com um semanário, um diário e uma TV para derrubar este Governo de iluminados.
E tudo isto porque, ao fim de 4 anos e meio, o iluminado ministro descobriu que a Marcelo falta o Contraditório.
Eu até acho compreensível que um Ministro que faz parte do Governo do Contraditório se sinta confundido quando este falta. Senão vejamos:
- O Primeiro-Ministro anuncia medidas para os próximos anos de cada vez que vê uma câmera; essas medidas são normalmente relativizadas pelos Ministros nas horas seguintes - é o Contraditório;
- O Secretário de Estado dos Transportes anunciou benefícios fiscais para quem compra o passe social; o Ministro das Finanças disse que isso era uma loucura e que tinha custos inimagináveis - é o Contraditório;
- O actual Governo assumiu funções porque não era mais que uma substituição a meio do mandato; logo nos primeiros dias, Morais Sarmento (membro de ambas as versões do Governo) afirmou que não podiam fazer determinadas coisas devido à pesada herança deixada pelo elenco anterior - é o Contraditório;
- Nos primeiros dois anos os critérios de convergência eram para seguir à risca, pelo que não se podia aumentar salários; este ano deve haver um esforço por cumprir, mas só um maluco é que pode tentar cumpri-los obsessivamente - é o Contraditório.
E podia continuar com estes exemplos a noite toda, mas começa a tornar-se aborrecido...
A situação, já de si, é bastante patética, no entanto, ver que o Telejornal da RTP, entre as 20h e as 20h30m não falou de mais nada; ver que nos vários canais os debates se sucederam durante toda a noite; ver figuras como Dias Loureiro dizer que a pluralidade do PSD se via pelo facto de o Prof. ainda ser do PSD; ver Pires de Lima com o sorriso cínico de sempre dizer que quem quiser afirmar que o Governo exerce pressão sobre os orgãos de comunicação social tem que provar o que diz ou então calar-se; ver 3 partidos da oposição aos saltos de contentamento por terem um filão para explorar, facilmente entendível pelo povo e que lhes permite estar uns dias sem falar de coisas complicadas; etc.; tudo isto torna a situação absolutamente deplorável.
Os factos são simples: o Prof. acusou; o Governo replicou; a TVI reuniu com Marcelo e este demitiu-se dizendo que acabava ali uma participação de 4 anos e meio, durante os quais pôde expressar livremente a sua opinião.
Estes são os factos e são estes factos que devem ser explicados e analisados, de forma a que se possam tirar ilações - em primeiro lugar o membro do Governo, ou o Governo como um todo devem provar a existência de falsidades e, sobretudo, o tal complot (porque é do lado do Governo que está o ónus da prova); Paes do Amaral deve explicar porque é que solicitou uma reunião com Marcelo; Marcelo deve explicar porque é que decidiu acabar com a sua crónica.
Isto deve ser explicado junto dos orgãos competentes (a AACS ou uma eventual Comissão de Inquérito) e os media devem cobrir o facto. Não deve ser explicado aos media (que, não esqueçamos, são um dos vértices deste triângulo) forçando os orgãos competentes a investigar com base no que lêem.
Era bom que, já que todos os anos se desperdiça metade do tempo disponível para reestruturar o país em fait-divers variados, pelo menos se aproveitassem esses fait-divers para mostrar seriedade na sua abordagem e resolução, de forma a desincentivar o aparecimento de novas futilidades.
E acho que já perdi tempo demais a falar disto, que apesar de ser potencialmente um problema grave de limitação à liberdade de expressão e à autonomia editorial dos orgãos de comunicação social, não pode ser um problema que concentre todas as energias do país durante dias a fio. Se calhar poderia ser encarado assim na Noruega, ou na Finlândia, mas não num país com tantos problemas estruturais graves para resolver e que está a passar por um período de total desgoverno!
Assim, esforçar-me-ei ao máximo por evitar este assunto daqui para a frente.
Nota - não esquecer que eu não gostava do formato da rúbrica do Prof., não gosto do que é o projecto da TVI e não gosto do actual Governo. Sou portanto totalmente independente nesta questão. Para mim, a solução mais cómoda para o embróglio seria uma decisão na melhor tradição salomónica - acaba-se com o programa do Prof., dissolve-se o Governo (e a Assembleia também, não vá o Presidente aceitar um terceiro elenco sem eleições) e vende-se a TVI!
3 Comments:
O teu post é das primeiras intervenções com algum bom senso que li ou ouvi nos últimos dias...
Às vezes acontece-me... mas não foi de propósito!
:o)
Em vez de vender a TVI podia-se devolvê-la à Igreja. Mas a tua solução salomónica está bem vista.
Já agora, podia-se também perguntar a Santana Lopes qual seria a sua reacção se o administrador do jornal A Bola lhe pedisse mais moderação nas suas crónicas semanais sobre o Sporting...
Palhaço!
O mais triste é que o povo tem memória curta e nas próximas eleições legislativas ninguém se vai lembrar deste lamentável episódio. Com muita sorte, esta corte de iluminados vai continuar a gerir o país na mesma linha.
P.S. Triste figura a de Paes do Amaral e de Moniz. Um diz que não sofreu pressões de qualquer espécie (já me faz lembrar os votos de confiança aos treinadores em vésperas de chicotadas psicológica) e o outro limita-se a vir agitar a bandeira da isenção em pleno noticiário e a deixar a porta aberta ao regresso do professor, cujos comentários valiam mais 300 mil espectadores no share das noites de domingo.
Tss, tss, lá vão eles ter de se agarrar com unhas e dentes à Quinta das Celebridades.
P.S.2 - Curiosamente, na reportagem publicada pela revista Sábado, Moniz diz que está numa altura tão boa da sua vida pessoal e profissional, que o melhor seria reformar-se já. Eu digo: há males que vêm por bem, meu caro Moniz. E o peixito morre sempre pela boca!
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