sexta-feira, dezembro 17, 2004

Reflexões sobre o Ensino Superior

Na sequência de um editorial de JMF no Público de sexta-feira, 3 de Dezembro («Eleições de Verdade?»), dediquei-me a fazer uma pequena reflexão sobre o ensino superior. Dizia JMF que «devemos ter menos universidades e cursos superiores, mas melhores».

Julgo ser incontestável que o Ensino Superior em Portugal, bem como no resto da Europa, precisa de um salto qualitativo urgente. Já a necessidade de existirem menos Universidades e Cursos, em minha opinião, está por provar.

Senão vejamos: estudos recentes apontam para que, em termos macroeconómicos, cada ano adicional de formação escolar, mantendo o resto dos factores constantes, gera um incremento imediato na produtividade agregada de cerca de 5% e a longo prazo gerará outros 5%, pelo efeito dessa formação no avanço tecnológico futuro e na adopção de novos processos de produção.Existem ainda fortes sinais de que o benefício social da formação dos indivíduos é semelhante ao benefício individual gerado, o que significa que o investimento na educação é útil e desejável. Finalmente, a qualificação da mão-de-obra é também um factor de coesão social - "um crescimento de 1% na proporção da mão-de-obra que possui pelo menos o nível superior dos estudos secundários provoca um aumento de 6% dos rendimentos de 40% da população mais pobre e um aumento até 15% dos rendimentos de 60% da população mais pobre, contribuindo assim para uma maior igualdade dos rendimentos"

Assim, é especialmente indicado a países com problemas de produtividade e de baixa qualificação da mão de obra apostar na educação e no aumento do seu stock de capital humano de forma a recuperar o atraso face a economias mais desenvolvidas, que fizeram apostas estratégicas na educação e na investigação científica no passado e que hoje colhem os frutos dessa aposta. Os investimentos decorrentes desta aposta devem centrar-se não apenas no ensino universitário (até porque muitos dos problemas do sector em Portugal estão a montante das Universidades), mas também, e devem dar especial atenção à eliminação das barreiras no acesso ao conhecimento por populações desfavorecidas e ao reforço da aprendizagem ao longo da vida.

Dado que os aumentos de produtividade por via do capital humano se dão essencialmente pela via do desenvolvimento e adopção de novas tecnologias e de novos processos de trabalho, o ensino científico (altamente deficitário em Portugal e na Europa em geral) deve ser incentivado, nomeadamente apostando mais na investigação, na sua ligação ao sector público e privado (e nas fontes alternativas de financiamento decorrentes) e na criação de carreiras de investigadores não-docentes. Este tipo de ensino deverá ainda proporcionar condições e especializações para o exercício de actividades técnicas, de investigação ou de docência, que devem ser assumidas como áreas vocacionais dentro dos currículos e que devem contar com programas e abordagens diferenciadas, com diferentes métodos e práticas.

Paralelamente, esta aposta no ensino científico deve ser acompanhada pelo reconhecimento da importância do ensino não-científico, que designaremos por vocacional (artístico, literário, social, etc.), para o progresso social e para a existência e dinamização de um ambiente de inovação e criatividade, essencial para o desenvolvimento do tecido económico. Sem o reconhecimento da importância destas duas realidades distintas, o risco do desaparecimento do ensino não-técnico será muito elevado e o preço social desse desaparecimento ou perda de importância será tremendo.

Existem hoje alguns bons exemplos de iniciativas portuguesas com sucesso internacional que decorrem exactamente da conjugação do ensino técnico-científico com o ensino vocacional e áreas aparentemente menos produtivas e mais artísticas, como são o design e a moda (ver MGlass ou Fly London). O caso do têxtil é paradigmático: um dos maiores problemas do sector é precisamente o facto de só estarmos na produção e exportação e não estarmos na distribuição e na criação de marcas (áreas de maior geração de valor); torna-se assim especialmente evidente que a existência de cursos mais vocacionais e menos orientados à produção em sentido estrito são fulcrais para o «passo em frente».

Consubstanciando tudo isto, a Estratégia de Lisboa (Conselho Europeu de Lisboa, 2000) aponta para tornar a Europa «na economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos, e com maior coesão social», num horizonte de 10 anos. Para isso apela ao substancial aumento anual no investimento na formação de recursos humanos (investimento público e privado, em complemento e não em substituição) e preconiza o objectivo estratégico da aplicação de 3% do PIB em I&D (devendo 2/3 deste valor provir do sector privado). Estes objectivos permitirão à Europa anular o gap face aos Estados Unidos e ultrapassá-lo, estancando o êxodo de pessoas altamente qualificadas em ciência e tecnologia e criando as condições necessárias a tornar as Universidades Europeias capazes de atrair e captar os melhores «cérebros», que actualmente se concentram nos Estados Unidos.

Neste âmbito, a posição de Portugal só pode ser acompanhar esta estratégia e concentrar esforços para ter uma ou duas Universidades em condições de ombrear com as melhores da Europa, o que está longe de acontecer actualmente.

Em conclusão, Portugal tem sem dúvida que apostar na qualidade do seu ensino superior, mas também na diversidade de cursos (que lhe permitirá aumentar as capacidades tecnológicas do país, mas também reforçar a sua cultura) e no aumento do número de licenciados (é neste segmento que existem as mais baixas taxas de desemprego em Portugal, o que confirma a capacidade da economia portuguesa para absorver a mão de obra licenciada). Creio que o nosso país deve apostar no aumento da qualidade, mas não creio que seja desejável enveredar pela redução da oferta de cursos - tal medida parece-me ser prejudicial à competitividade do nosso país, à sua produtividade e atrasaria ainda mais a adopção de novas tecnologias e processos, essenciais à recuperação da nossa economia e à captação de investimentos em sectores de alto valor acrescentado.

Apesar de não ficar claro na frase de JMF qual o seu alcance, estas foram as reflexões que a frase me provocou, que podem até não ter nada a ver com o que ele tentou transmitir... (não seria justo ler na frase, por ser genérica e vaga, uma defesa da redução do investimento, ou que o ensino deve ser privado ou público, ou sequer que a oferta de cursos deve ser muito ou pouco condicionada pelas necessidades económicas do país...). Mas, se a questão tem a ver com o facto de Portugal ser provavelmente o país com mais nomes de cursos diferentes na Europa, parece-me que muitos dos cursos que parecem diferentes e que nos fazem crer que existem demasiados cursos, têm mais que ver com a permissividade do Ministério, que permite que cursos idênticos tenham nomes que aparentemente os diferenciam, baralhando as escolhas dos estudantes e distorcendo a realidade do ensino, do que com um efectivo excesso de oferta...

1 Comments:

Blogger Delfim said...

Bravo JTF! Este teu post é muito bom.

É consensual que o inevestimento em educação é fundamental. Mas não é comum vermos explicado, de forma tão simples, de que forma (e com que números) este investimento se paga a si próprio no médio prazo. E como pode inclusive benificiar, ainda que de forma indirecta, mesmo quem não teve acesso directo à educação.

7:03 da tarde  

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