terça-feira, dezembro 14, 2004

Lena d’Água

Quando era miúdo – aí por volta dos seis anos – adorava a Lena d’Água. A “panca” infantil passou depressa, aliás como a Lena d’Água, mas continuei sempre a achar muita piada àquelas músicas cheias de eco.

Noutro dia estava lá em casa sentadito a fazer zapping quando paro na RTP Memória e dou com um teledisco da dita. Uma das coisas mais engraçadas da RTP Memória é permitir-nos viajar no tempo e fazer uma comparação entre o presente e o passado. E rirmo-nos da televisão que se fazia nos dois Portugais anteriores.

Um é o Portugal Socialista, período que vai de 75 a 93 e que se caracterizava por uma tremenda falta de sentido estético e pelo reduzido comprimento das prateleiras do supermercado: só havia uma ou duas marcas de cada produto e de certeza que ninguém sofria esgotamentos na hora de comprar lacticínios como agora me acontece sempre que entro no Continente, por exemplo (lá em Viana o leite era da Agros, os iogurtes eram da Âncora, o queijo ou era das marinhas ou limiano e acabou). Não havia muita escolha, a uniformização era grande.

O outro era o Portugal Ingénuo (hesito em chamá-lo de Portugal de Sacristia), pré-1974. As pessoas que lá viviam não só tinham claramente tempo a mais (vê-se pelas imagens que andam todos nas calmas) como aparentavam um ar perdido, fazendo-me lembrar aqueles adolescentes meio encabrunhados das aldeias que não sabem o que fazer com as mãos desocupadas (assim tipo o Bagão Félix) ou os pais deles que vestem fatos de mau corte, cinzentos, castanhos ou pretos e que aprenderam a meter as mãos nos bolsos (na altura também serviam para segurar no chapéu). E havia ainda aqueles discursos nacionalistas inflamados ridículos que só mesmo numa terra tão ingenuazinha e parolinha é que tinham cabimento. Claro que podem contrapor com a prosápia actual do Portas e da Nª Srª de Fátima, mas a esse ninguém leva a sério, pois não?

Entre um Portugal e outro houve uma fase de transição, um proto-Portugal Fidelista, em que toda a gente fazia discursos chatíssimos sobre o povo e as classes. Parece ter sido o único momento entre o Afonso Henriques e 1993 em que o tempo escasseou. Aqueles jovens peludos, sôfregos, não tinham tempo para ir fazer sessões de reeducação do povo, ir a tanta manif e ainda fazer a barba. O que vale é que como andavam todos de camisolas de gola alta não tinham de passar as camisas a ferro.

Hoje estamos em vantagem: tanto nos podemos rir do presente (do Governo, por exemplo, mas também do Gato Fedorento) como dos programas secantes com que a RTP massacrou as portuguesas e os portugueses durante 40 anos. Aproveito o último espaço para dizer que a Lena d’Água tinha os dentes todos amarelos e que aquilo nos dias de hoje era inadmissível. Se quisesse fumar tudo bem, tinha era de ir branquear a dentuça como o Paulo Portas.

PS: Não pretendia fazer nenhum comentário de cariz partidário mas foi surgindo naturalmente.

3 Comments:

Blogger JTF said...

Ops!... Estou de gola alta e com barba...

2:34 da tarde  
Blogger mfc said...

As calças à boca de sino(para homem), as T-Shirts justíssimas, as patilhas abaixo da orelha e ouvir a BBC e a Rádio Portugal Livre...

3:46 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Faz este exercício: imagina-te a ver a RTP Memória, ou outra, com imagens de hoje, daqui a vinte anos. Acharás tão ridícula a maneira de viver de hoje como a de há dez ou vinte anos atrás. Dirás, entre outras coisas, que o Figo se despenteava com azeite ou que os monitores de computador pareciam caixotes de cartão. E que estranha mania era aquela de passear em manada, ao fim de semana, de ténis e fato de treino, nos shoppings locais?
A experiência de vida, que só se adquire vivendo, apura-nos o sentido do ridículo.
Concordo que tenhas muito tempo e espero que o passes bem, mas não te precipites com juízos de valor apressados.

VG

3:20 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home