sexta-feira, outubro 22, 2004

Cabeça-de-obra

Na Quinta-feira dia 20 teve lugar no ISCTE uma conferência sobre Criatividade nas Cidades. Tratou-se da apresentação de um estudo feito na Europa tendo por base um trabalho anterior realizado nos EUA. Nesse estudo introduz-se uma nova forma de encarar a relação entre investimento, tecnologia, capital humano e crescimento económico.

Apesar de não ser radicalmente novo, uma vez que há trabalhos anteriores sobre a importância dos factores imateriais para o surgimento da inovação (ver, por exemplo, um muito interessante sobre a importância das interacções AQUI), foi o primeiro que encontrei a acentuar, de uma forma explícita, a importância da “abertura de espírito” para o surgimento da inovação.

A história tem por base a situação vivida em Pittsburgh (ver posta “Economia e Sociedade”). Antigo coração da indústria pesada americana, a cidade entrou em declínio acentuado nos anos 80 (perdeu 150.000 postos de trabalho desde então, contando actualmente com 300.000 habitantes, tantos como no século XIX) devido ao surgimento de um novo modelo económico.

A cidade decidiu então aproveitar a base industrial e tecnológica de que dispunha (importantes indústrias e universidades) e apostar em tecnologia. O primeiro grande e prometedor resultado foi a criação da Lycos. Mas passado um ano a Lycos mudou para Boston, apesar das boas condições proporcionadas em Pittsburgh (nomeadamente instalações e bons programadores de software).

A razão? A dificuldade em atrair outros quadros – da “classe criativa”, nomeadamente pessoal relacionado com o design ou o marketing – para uma cidade industrial decadente e sem grande vida para além do emprego. Os próprios estudantes das universidades locais fugiam após acabar os cursos, revelando o fraco poder de atracção da cidade. Assim, o que os investigadores descobriram foi que a tecnologia é fundamental (como já antes o era) mas que é necessária mais criatividade para aplicar a tecnologia que antes. São necessários trabalhadores com capacidade de encontrar soluções para resolver problemas, de ter ideias, de inovar. Esses trabalhadores fundamentais no novo modelo económico constituem a “classe criativa”, grupo muito vasto e heterogéneo composto por arquitectos, engenheiros, designers, artistas, economistas, etc.

E o que atrai/retém a “classe criativa”? Os estudos levados a cabo evidenciaram a importância da existência de comunidades abertas e diversificadas onde a diferença seja aceite e a criatividade cultural de fácil acesso. Esses estudos permitiram encontrar uma forte correlação entre a aceitação de imigrantes, mulheres, artistas, boémios e homossexuais e crescimento económico.

A diversidade revelou-se um activo fundamental para o sucesso das cidades, sendo que as urbes mais inovadoras e que criam mais valor proporcionam melhores condições de vida aos seus habitantes. Nos anos 90, por exemplo, 30% das empresas criadas em Silicon Valley – representando 70.000 empregos e um volume de facturação significativo – eram dirigidas por estrangeiros. Este facto permitia, ainda, criar pontes com outros centros de conhecimento no estrangeiro, alimentando a região. Se antes eram as pessoas que iam à procura de emprego, hoje são as empresas que vão atrás dos talentos. As cidades com maior capacidade de atracção e retenção da “classe criativa” seriam as vencedoras.

Este estudo defende, neste sentido, que o crescimento e o desenvolvimento económicos se baseiam em 3 Ts: Tecnologia (o elemento central, clássico), Talento (capital humano) e Tolerância (entendida como abertura a novas pessoas e ideias, “barreiras à entrada reduzidas” para pessoas).

O estudo foi alargado a 14 países da Europa mas está neste momento a trabalhar-se para avaliar cidades, tal como nos EUA. É possível verificar que em quase todos os indicadores Portugal está em último lugar. Isto tanto vale para indicadores de tecnologia (patentes, por exemplo) como de talento (formação da população, por exemplo) ou de tolerância (valores, por exemplo).

Outro dado péssimo é que entre 1995 e 2000 Portugal foi o único dos 14 países da Europa onde a classe criativa regrediu, sendo que o seu peso no total de trabalhadores era já à partida o mais baixo.

Boa leitura

Nota: O estudo completo está disponível AQUI