sexta-feira, outubro 22, 2004

Discriminação positiva

A questão da discriminação positiva é, no meu entender, essencial na questão do caso Buttiglione. Como este conceito pode ter múltiplas leituras passo a explicar a minha.

A discriminação positiva justifica-se nos casos em que se pretende alterar uma situação de discriminação negativa prolongada e enraizada, como esta. Em situações “neutras” não faz, obviamente, sentido (os cidadãos que usam óculos, por exemplo, não são discriminados e por isso será desnecessário lutar pela sua maior aceitação na sociedade).***

Exemplos de discriminação positiva podem ser dados em grande número e muitos estão mais próximos que o que se pensa. Eu não concordo com todos eles, pelo menos quanto à forma adoptada.

1. Discriminação de género – No Partido Socialista as listas têm de incluir pelo menos 1/3 de mulheres.
2. Discriminação racial – Nos EUA a imposição de quotas para minorias étnicas é frequente.
3. Discriminação linguística I – Na Catalunha o governo regional impõe às estações de rádio e TV um número mínimo de horas de emissão em catalão, obrigatoriedade de emissão em catalão (para além do castelhano) dos filmes com mais que um determinado número de cópias, sendo o discurso político activamente “catalanista” e favorecedor da língua menorizada.
4. Discriminação linguística II – Em Portugal é obrigatória a rotulagem de todos os produtos em português.
5. Discriminação contra deficientes – Em muitos dos concursos para a Administração Pública em Portugal há um número de vagas reservado para deficientes.

A discriminação negativa pode, assim, ter origem social, histórica, religiosa, etc. (política, digamos) nos casos 1., 2. e 3. ou de mercado nos casos 3., 4. e 5. E para cada situação há que procurar as respostas que melhor se lhe adequem, minimizando os eventuais efeitos negativos sobre terceiros. A resposta é sempre de iniciativa política, como está bem de ver.

No caso da discriminação contra a orientação ou identidade sexual a discriminação positiva pode assumir várias formas: educação para a cidadania (levando a maior tolerância, portanto), educação sexual, discurso político positivo, maior visibilidade (exemplos são as séries de TV tipo Sete Palmos ou Anjos na América). A discriminação positiva não é, assim, “um incentivo a” ou “um benefício para”. Por discriminação positiva contra a homofobia entendo regularização de condições de igualdade de direitos para cidadãos com igualdade de deveres. Tenho dúvidas de que Buttiglione esteja (estivesse?) disposto a implementá-las.


*** Hesito em considerar discriminação positiva a tentativa de alteração de uma realidade neutra como nos casos em que se pretendem promover determinadas atitudes (as políticas ambientais podem ser um exemplo).

2 Comments:

Blogger JTF said...

Muito sinceramente, eu não sou nada adepto da discriminação positiva. E digo isto constrangido pelo facto de tender, neste caso, a concordar com o JMF, o que me faz sentir pontadas agudas no pâncreas, o que é extremamente desagradável...

Das medidas de que falaste, por exemplo, só concordo com a discriminação positiva no ponto 5 (neste caso parece-me ser inevitável). Não creio que os pontos 3 e 4 sejam exemplos de discriminação positiva... Tenho alguma dificuldade em ter opinião relativamente ao 2 e discordo das quotas no 1 (apesar de poder concordar com actos simbólicos deste género, não concordo com a sua institucionalização).

No entanto, não me parece sequer que esteja em desacordo contigo nas medidas que propões - simplesmente porque nenhuma delas me parece positivamente discriminatória. Todas elas são simplesmente exemplos de educação para a cidadania, que teriam como objectivo a aceitação, a igualdade e a não discriminação. São medidas que fazem todo o sentido, mas que não revelam, em meu entender, nenhum tipo de discriminação ou artificialização. Discriminação positiva neste caso seria, julgo eu, outurgar direitos e benefícios especiais aos homossexuais simplesmente por serem homossexuais. E isso não teria, em minha opinião, qualquer sentido.

Retomando o exemplo das quotas no PS: eu sempre fui contra estas quotas (aliás, é a minha discussão e divergência mais antiga com o nosso amigo comum RPM). É verdade que as mulheres têm menos acesso à política e a cargos de liderança. Mas a imposição de quotas significa, basicamente, mascarar o Efeito, em vez de corrigir a Causa. As Causas, nesse caso, são conhecidas: longa tradição de "mulher em casa com os filhos"; papel pouco activo do homem no lar e na educação dos filhos; só recentemente as mulheres, na generalidade, tiveram acesso ao ensino superior e a carreiras profissionais em campos diferentes dos tradicionais; etc.. Essas causas foram atacadas, por exemplo, nos países nórdicos, com benefício para todos - as famílias têm mais incentivos à natalidade; o tempo para ficarem com os seus filhos recém-nascidos é maior (tanto para o homem como para a mulher); a protecção laboral é mais forte; etc. Porque é que aqui havemos de trilhar o caminho mais fácil da artificialização? O caminho mais longo, o da transformação geracional, é mais duro, mas é o único que resolve o problema, em vez de o varrer para debaixo do tapete, de onde, mais tarde ou mais cedo, volta a sair...

Há uma questão com que podes contra-argumentar e na qual eu terei que pensar casuisticamente (porque não me parece que possa ter uma posição favorável ou desfavorável em abstracto), que é: Medidas de discriminação positiva transitórias e bem definidas no tempo são ou não desejáveis, como forma de atenuar situações graves? Admito que possam ser, mas acho que só consigo ter opinião formada vendo casos e medidas concretas.

Em suma, acho que onde divergimos é na própria definição de discriminação positiva e no seu âmbito de aplicação... de resto, tenho ainda mais umas coisas a dizer sobre o tema, mas tenho que estruturar as ideias - ando com o cérebro um bocado perro!...

Abraço

12:59 da tarde  
Blogger Miguel Pinto said...

Agradecem-se mais comentários.

Pela minha parte irei aqui colocando os que me forem chegando por e-mail.

3:36 da tarde  

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