quarta-feira, fevereiro 16, 2005

O debate de ontem

Para começar, acho que ficou claro que o modelo do debate de ontem resultou muito melhor do que o modelo americano utilizado no debate a dois. Continuo a achar que aquele modelo tem virtudes, mas ficou de facto provado que os políticos portugueses, os jornalistas e o próprio público está mais talhado para debates mais tradicionais.

Por isso, o debate superou bastante as minhas expectativas. Não é que tenha sido um grande debate... as minhas expectativas é que eram muito baixas, mesmo...

Continuaram sem concretizar as medidas que propõem? Sim, de alguma forma isso é verdade... Mas, por outro lado, julgo que ficaram bem claras as grandes opções ideológicas e os macro-objectivos políticos de cada um nas áreas abordadas. A excepção a isto foi, em meu entender, Santana Lopes, que mais uma vez preferiu repetir até à exaustão que o Guterres fugiu (acho que não houve resposta nenhuma que não começasse assim), que o PS também é mau e mostrar gráficos ilegíveis, completamente inadequados a serem mostrados em televisão.

A situação de Jerónimo de Sousa acho que não tem muito para falar, embora me tenha parecido que ele foi traído pelos nervos... antes de entrar no estúdio foi entrevistado e falou bastante, sem qualquer problema aparente na voz... foi azar, mas não creio que tenha qualquer tipo de influência na votação da CDU, nem positiva nem negativa, já que creio que todos compreendem o que se passou.

Os outros participantes julgo que abordaram as questões colocadas sem grandes fugas e deixaram mais ou menos claras as suas opções em cada área. A maior novidade, para mim, foi a clarificação do PS, pouco usual nos tempos que correm, da defesa de um modelo em que o Estado tem um papel central na sociedade, embora reconhecendo que precisa de ser profundamente reformado e repensado, sobretudo ao nível dos processos e das suas funções principais. No fundo um modelo a la países nórdicos. Isso ficou vincado na defesa do papel do Estado em matérias como o estímulo à criação de emprego, a orientação para o crescimento económico (sim... não é uma variável incontrolável... é um objectivo de política económica e existem ferramentas para actuar sobre as variáveis que o compõem... a isso chama-se Economia) e na orientação da política produtiva, a assunção da função social do Estado em áreas como a Educação e a Saúde e a defesa da manutenção da Segurança Social como um instrumento Público de solidariedade inter-geracional e de redistribuição da riqueza. Quem diz que isto não é uma posição clara e a defesa de um modelo e de um rumo, não sei o que é que espera mais... Será que só vale como concretização das ideias aparecer na campanha já com os decretos-lei feitos? Quem é que até agora concretizou mais que isto? Nos programas dos vários partidos há numeros mais concretos e explicações mais detalhadas de como se financiam determinadas opções. É ir ler... (claro que estou de acordo que os programas não são tão detalhados e concretizadores como poderiam ser, mas também não podemos ser simplistas na análise e dizer que ninguém diz nada de jeito...).

Outro facto a salientar foi o episódio da atribuição da isenção à operação de fusão de balcões do Grupo Santander. O que Louçã pôs em causa foi a coerência de um governo que apela a sacrifícios de todos os portugueses de forma a conseguir aumentar a receita fiscal e que depois concede isenções em operações milionárias a entidades bancárias. Além disso, trata-se de um Governo que se diz deposto pela Banca, por ter mexido com os seus interesses. Não foi posta em causa a legalidade da isenção! A resposta de Santana é, de facto, insatisfatória, mas, verdade seja dita, não podia ser outra que não aquela... Claro que o PS também já fez isso... Mas o PS não tinha a incoerência entre a acção e o discurso... Mas também é verdade que não é de agora que o Bloco condena os benefícios fiscais. Sempre o fez. E, por vezes mal... há situações em que se justificam, nomeadamente na atracção de investimento estrangeiro, onde se revela um instrumento indispensável. O que tem que começar a ser feito é a encontrar um equilíbrio entre os benefícios concedidos na atracção desse investimento e as contrapartidas exigidas. Como em todos os negócios, têm que existir benefícios para ambas as partes, senão não são bons negócios. O que tem acontecido é que os Governos preocupam-se em atrair o investimento e em retirar dividendos eleitorais disso, mas não acautelam os benefícios concedidos, exigindo, por exemplo, cláusulas indemnizatórias caso a empresa abandone o território nacional antes de X anos (os necessários para o Estado recuperar os benefícios concedidos em impostos e em ganhos sociais). Santana tinha o argumento de a operação em causa, aparentemente, não gerar proveitos directos e usou-o, no entanto preferiu centrar a justificação no tradicional «o Guterres também fez!»... Acho que fez, mais uma vez, mal...

Depois houve aqueles momentos caricatos do costume: a discussão de se o período actual é o pior desde 1944 ou desde 1970 e tal; os empregos criados pelo Ministro da Defesa enquanto o resto do Governo os perdia (sendo os melhores os 7500 jovens que vão para as Forças Armadas e que ele mencionou quase a sussurrar, o que demonstra que continua a ter algum sentido do ridículo); o momento em que Sócrates e Louçã em vez de concluirem que as suas propostas relativas à Segurança Social são passíveis de ser compatibilizadas (porque o objectivo de ambos é mantê-la como alicerce do modelo social que Portugal tentou ter), trocam acusações do género «nã, nã! tu é que não se percebe o que é que queres!!!»; as afirmações de PP e PSD que são eles os partidos que combatem o grande capital (no PP até já se canta «assim, se vê, a força do PP»); ou o momento em que Santana Lopes diz que os problemas de Guterres em 1996 foram provocados pelos últimos 3 anos do Governo anterior (isto prova que ele está disposto a dizer o que for preciso para desculpabilizar a péssima performance da economia portuguesa nos últimos 3 anos). Mas, a cereja no topo do bolo, foi mesmo o momento em que Paulo Portas demonstra que com mais 1% passa automaticamente para 22 deputados! Esse foi politicamente o momento mais hábil de todo o debate, mas foi também aquele onde a seriedade roçou o nível mais baixo...

Finalmente, aquela que é para mim a questão das questões: o cenário da maioria relativa do PS.

Ao contrário do que tem sido dito, para mim a posição do Bloco é clara: o Bloco não entra em Governo nenhum porque considera que a sua votação não tem a expressão necessária para isso. Ou seja, considera que se o voto lhes dá, p.e., 8% de representatividade, então não têm o direito de ir para o Governo, até porque consideram não terem grande coincidência programática com o PS. Em minha opinião esta posição poderia (deveria?) ser diferente. Os cinco principais pontos do programa do Bloco enunciados por Francisco Louçã quase no final do debate são perfeitamente conciliáveis com o programa do PS: contribuir para a mudança da injusta lei do aborto; bater-se por políticas de emprego; defender a saúde pública; não permitir ao aumento da idade da reforma; e bater-se sempre pela reforma fiscal. Estes pontos foram pontos de alguma convergência entre o Bloco e o PS de Guterres e podem voltar a sê-lo. A questão não é em meu entender programática, mas sim de opção - o Bloco quer participar activamente no Governo do país, na medida do que a sua votação lhe permite, no momento actual? Ou prefere manter a sua influência apenas a nível parlamentar, fazendo acordos pontuais com um eventual governo PS em matérias como estas ou outras? Aparentemente o Bloco já fez a sua opção e prefere a segunda via, que é perfeitamente legítima. Na minha opinião o Bloco com um mandato de 8% poderia conseguir ter um papel determinante no Governo em matérias civilizacionais e em matérias sociais, dando uma base sólida ao PS para ir mais longe em temas a que normalmente foge por motivos puramente eleitorais. Claro que teria que ter a humildade necessária para entender que o partido maioritário seria o PS e que teria que ceder às posições deste numa série de questões. Ainda assim, poderia com 8% dos votos cumprir uma percentagem significativamente superior (o dobro? o triplo?) do programa eleitoral que propõe à sociedade e contribuir para alterações importantes do país - sem querer desvalorizar o papel da Assembleia no sistema político nacional, cumpriria seguramente mais do seu programa e contribuiria mais para a transformação civilizacional do nosso país do que com uma mera representação parlamentar. O problema poderia surgir depois, em termos de qualidade da representação parlamentar (terá o bloco quadros que lhe permitam manter a performance estando simultaneamente no Governo e no Parlamento?) e no eventual desgaste da imagem do Bloco, de partido diferente e um pouco à margem do sistema, na medida em que o efeito de institucionalização poderia prejudicar o seu crescimento futuro, pelo menos nos moldes em que o tem procurado até hoje. Em meu entender é esta a questão que se põe ao Bloco e, eventualmente ao PS.

E pronto... acho que ainda tinha mais umas coisas para dizer, mas já me doem os dedos... De qualquer forma acho que o conteúdo deste post é já o suficiente para que tanto a direita como a esquerda me venham bater a torto e a direito durante os próximos dias e até, eventualmente, destruir o blog por completo, com um exército de hackers ou com uma boa cunha no blogspot...

Hasta!

P.S. Não revi o texto e foi todo escrito de seguida, sem notas e em plena erupção mental. Se estiver cheio de erros e de frases mal construidas, as minhas desculpas... Foi o que se arranjou!

1 Comments:

Blogger tinyGod said...

Finalmente o post do Debate… (resposta à medida)

Sobre o formato, sem dúvida que ontem assistimos a um debate verdadeiramente português, onde até o Jerónimo se levantou várias vezes para ir “tossir lá para fora…”. Sobre o Jerónimo partilho da tua opinião. O eleitorado PCP é muito fiel e não se deixará impressionar por debates.

Quanto ao facto da fuga do Guterres e o seu pântano, devo dizer que quem introduziu o tema foi Sócrates quando disse que “não se tratava só de falar do futuro, mas também de julgar o passado (…)”. Ora o passado é bem recente, e mostra quem fugiu, quem abandonou a legislatura a meio, quem gastou quando devia poupar, quem engordou o número de funcionários públicos (é assim que se combate o desemprego à moda PS), quem privatizou e não investiu correctamente, quem não fez a reforma fiscal, quem não fez a reforma da segurança social, quem, no fundo não fez reforma nenhuma.

Aliás Sócrates foi aquele que não explicou nada de concreto sobre os temas em debate, para além da habitual cassete conhecida e repetida várias vezes nos debates e nas entrevistas. Conjuga o verbo mudar com o “absolutamente” habitual, e não sai disto, para dizer que (1) Reforma Fiscal é voltar a incentivar o plano poupança para compra de habitação em vez de alterar a Lei das Rendas; (2) Emprego (os 150.000) é objectivo, não compromisso!, porque no fundo não tem medidas de fundo para o promover, e por isso vai limitar-se a aproveitar a retoma da conjuntura económica europeia para crescer e criar emprego (isto para além dos 1000 jovens licenciados que serão introduzidos nas PMEs a convite do Governo – jobs?); (3) Saúde, não percebe nada e confunde Hospitais SA com empresas privadas, quando sabe que são públicas, e remata a dizer que quer utentes e não clientes (contrariando todas as teorias de marketing moderno); (4) Sustentabilidade da Segurança Social, promete estudar (outra vez?) e acusa PSD de tomar medidas sem pensar (as tais reformas necessárias…); (5)Governabilidade, remete para depois do dia 20… Resumindo, votar no PS é votar num conjunto de “objectivos” consensuais PS-PSD, mas depois do dia 20 logo se decide como agir para os atingir…Essa é também a percepção da Equipa de Pensamento e Reflexão do Compromisso Portugal, que dá enfoque a um Estado mais presente, no Programa do PS do que no do PSD. Penso ser claro que o Estado não possui neste momento capacidade para fazer melhor que o privado. Resta saber para quê mais Estado?

Quanto ao “coelho” que Louçã tirou da cartola, penso que só quem nunca esteve no Governo é que não percebe a justificação para certas acções. Santana justificou bem, e rematou com a indicação da Lei em causa. Mas gostei de ver a posição de Sócrates a pedir explicações a Santana em tom jocoso para depois do intervalo ter que “engolir” duas situações iguais e uma muito pior (em Euros), sem sequer balbuciar um “absolutamente”. Nada! Aqui fiquei com a sensação que Sócrates não domina nem percebe nada de governação.

Concluindo, o centro-direita esteve melhor e mais preparado que a esquerda. Paulo Portas foi mais hábil e passou melhor a mensagem (até os gráficos estavam a azul e amarelo), Santana, esteve seguro e calmo, Sócrates não disse nada de novo e mostrou falta de preparação (só sabia a cassete), Louçã esteve a fazer ilusionismo político, mas no fim, nem governar pretende… (Então o que é que quer?)

7:55 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home