segunda-feira, novembro 14, 2005

A ausência

Um volume excessivo de trabalho e outros compromissos têm-me mantido arredado da escrita pública. Mas nos últimos tempos não me tem faltado vontade de escrever.

Já quis aqui falar sobre o facto de ter estado em Londres e de as empregadas de limpeza do hotel serem portuguesas. Ao que parece, em Inglaterra toda a gente valoriza muito as empregadas de limpeza nacionais. Competentes, servis, de confiança... Grande orgulho, ah? Há 30 anos em França, Luxemburgo ou Suíça, hoje um pouquinho mais a norte, mas uma garantia de qualidade mantida ao longo de décadas. PORTUGAL – Established 1143! Conheceis muitas marcas com uma reputação mantida durante tantos séculos? Uma verdadeira vantagem comparativa este exército de mulheres de limpeza e operários de construção civil. Felizmente agora querem aproveitá-los dentro de portas e apostamos no turismo em força. Como serventes não há quem nos bata. E há quem diga mal de nós!

Alguns dias mais tarde um relatório informava-nos que 20% dos licenciados portugueses exercia no estrangeiro. Eu conheço vários. Isto é que é um upgrade emigratório! Afinal 30 anos de democracia surtiram efeitos: a emigração democratizou-se. E há quem fale mal de Portugal!

O Expresso de 5 de Setembro dedicou 13 ou 14 páginas do seu suplemento Economia (que é como quem diz) para louvar Angola. Eu pensei que estavam a falar da Islândia: não fosse pelas pessoas que apareciam nas fotos e nem tinha dado por nada. Ah José Eduardo dos Santos, esse iluminado amigo do seu povo! Ah Nicolau Santos, grandes fretes, ah?

Entretanto milhares de pessoas desfilaram em Lisboa para consagrar a cidade a nossa senhora de fátima. Eu pensei que a tínhamos consagrado ao Carmona Rodrigues no dia 9 de Outubro mas, seja como for, espero que pelo menos esta dona Fátima dê uma limpeza às ruas da cidade, arranje os jardins e não permita que os carros continuem a estacionar em cima dos passeios. E por favor senhora dona Fátima, não se pire para Londres!

Ao mesmo tempo que em Lisboa milhares de fiéis católicos se acotovelavam atrás de um totem, outros milhares de fiéis, mas ao xicolate, rumavam a Óbidos para ir ver o festival internacional do chocolate. Ocorreu-se-me então o seguinte: e porque não fazer uma nossa senhora de fátima de chocolate? Juntava-se a procissão ao agradável!

Hão-de pensar com isto que eu não respeito as religiões. É falso. Não acredito mas respeito a fé alheia. Agora, depositar papelinhos com pedidos, agradecimentos, expiações e coisa que o valha numa urna que acompanha o totem venerado por uma multidão com velas na mão parece-me bruxaria. São estes os católicos progressistas? O que distingue esta forma de viver a fé daquelas pessoas que usam medalhinhas de santos nas cuecas, que usam cabeças de alho nos bolsos, que não passam por baixo de escadas ou que fazem preparados com sangue de frango para atrair os bons espíritos ou escorraçar os maus olhados? Trata-se apenas de uma questão de perspectiva. E falta de sentido crítico.